terça-feira, 24 de julho de 2012

RESPIRAR A SEDA DA VIDA


Escuto-me no que sobrou do silêncio do rio
esfaqueado pelos braços da inquietude
na pressa de respirar a seda da vida.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

RENÚNCIA


Renuncio um véu de ternura
para não me trilhar
Renuncio a fragrância da magnólia
para não me extasiar
Renuncio gaivotas em mancha no céu
para não lhes copiar o voar
Renuncio palavras sonhadas
para não ter que as relembrar
Renuncio beijos
para os meus lábios não se queimarem
Renuncio a luz da lua
para não me deixar nela ofuscar
Renuncio-me a mim
por tudo isto renunciar.



terça-feira, 26 de junho de 2012

IMPOSSIBILIDADE


Se eu fosse capaz 
de fazer sumir a raiz da minha inquietação…
Passar para além do cabo da desordem
chegar serenamente perto do horizonte
e  não encontrar lá
este desejo anónimo e sôfrego do coração.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

POR ISSO NÃO GOSTO DE AMORAS


A lua havia de cair um dia
no chão mais próximo.
Num lugar que havia de desvelar a palavra.

Havia de tombar
era irremediável.
Sei-o agora.

Mas resvalou
desgovernada
roubada por outras solicitações.

As esplanadas
os bancos de jardim
os livros
passaram então a ser-me ardis.
De traição em punho.

Por isso
já nada se parece com a glória antiga
largada agora noutra morada.

Depois o intragável escuro.
Um escuro que não me deixa saber
o elementar e o secundário.
Entardeceram ambos.

Já nada sei
depois que o mar lambeu a areia
e desfez a palavra.
Se é que alguma vez soube.
Se é que alguma vez a palavra existiu.
E se existiu foi num instante.
Num muro de silvas
entre amoras falsas.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

FOSSE EU...



 Fosse eu vento para dar pressa ao veleiro
mesmo que em navegação perigosa.

Fosse eu paleta coroada da luz do sol
para recuperar a cor perdida da palavra em flor.

Fosse eu eternamente noite para respirar o teu sono
e eternamente manhã para te ver orvalho
soletrando um lírio branco.

Fosse eu sereia para te prender ao mar
e  num só instante ler
um poema de ternura no teu olhar.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O INSTANTE DA PALAVRA

No papel vos entrego a palavra
Permito-vos o sentido
E mais
A liberdade do ritmo
da entoação
da voz
do tempo em que  a respirais.

A liberdade da invenção para a metáfora.

A partir deste momento desconheço
se a plavra ainda me pertence
Sei que a  libertei
para o mar ou para o espaço
Para fora de mim
Para sempre
Para nunca

Talvez que o que é vento
seja agora o meu respirar
O que é mar seja água
Talvez que o que é rio
seja agora vala extensa
onde vos deixo a palavra a correr
Apetecida
Renegada
E de súbito
a palavra foi um instante
Ou talvez não.

quarta-feira, 28 de março de 2012

NEM SEMPRE O SILÊNCIO ME DEVASTA


Depois de convocadas memórias acesas de cerejas
o silêncio há-de alimentar as horas
ou a espera dos peixes virem à tona
como os dias esperam a posse do entardecer.
Como os dedos esperam o cheiro do vocabulário
traduzido pelo desejo da flor a abrir ao meio dia.
Nessa hora não haverá lugar para peixes
de olhos fundos e desvidrados.
Antes os haverá de luz
nadando no cimo das ondas
e acentuando nas guelras o silêncio
como alimento do que ainda há-de vir.

terça-feira, 13 de março de 2012

CICLOS CALIGRÁFICOS

A boca respira a caligrafia solta das mãos
e com o hálito morno da Primavera
sustém a doce brisa que dela advém.
Já no Inverno
mastiga o que resta da fala do girassóis
e engole o travo de perfis caligráficos
que rondaram o luto espesso de luas moribundas.
Acima das vagas
há-de nascer um outro cheiro de soletração.
Porém
será uma caligrafia peregrina
delineada outra vez
 nas inconstantes cores da romã.


sexta-feira, 2 de março de 2012

TALVEZ



Em horas salobras
amordaçamos a sede de música de violino
para nos fixarmos em objectos materiais.
Forma
Cor
Textura
Tudo pormenores!
Tão breves como as folhas caducas.

Talvez amanhã
outro tempo escorra
pelas paredes.
Talvez nos fixemos
numa marca perdurável
ou num rumor perene
para sustentar
outra vez o coração.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CAVALGAR A DECISÃO


Quando a lua lhe cheira a rosas
o homem cavalga em livre arbítrio
sobre o dorso do cavalo
derramando no brilho das crinas
mil sins e mil nãos.

Vai procurar a escultura perfeita
da palavra decisão existente
desde o princípio da pedra.

Vai beber vinho e mel
tocar a macieza de sedas orientais
ou o aço que verga as rosas perfeitas.

Para isso deverá
- ainda que clandestinamente -
ler  Cem Sonetos de Amor de Neruda
e tactear os olhos de um peixe lúcido.

Deverá ainda
rasgar a febre da fuga e evitar
orquídeas envenenadas de ilusão
que leve presas no pescoço da vida.

Talvez e só depois disso
venha o Homem a encontrar
a escultura perfeita da palavra decisão
talhada na pedra lúcida e consciente
de dizer não ao não
se isso for o sim e a razão
de um único dia ele ser feliz.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

POEMA A 4 MÃOS


julguei ser possível o mar
o precipício doce
para o fim das vergastadas
ousei nadar até ao mar alto
lugar onde elas são inúteis
foi apenas um recorte do tempo imenso
um vento desviou a proa do navio
e devolveu-me à beira-mar
onde a verdade virgem é degolada
e passeamos com pés de larva
a natureza tudo acolhe
o bem e o mal
as ilusões idiotas
a ganância
a futilidade do poder
a beleza do amor
os sonhos puros de justiça
os gestos ancorados na verdade
conforme o ritmo e a cadência das marés
lhe comandam o remar

José Manuel Marinho (poemar-te) e Marta Vasil (lua com dona)